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1.8.10

FMM Sines 2010, dia 4

Sábado, 31 de Julho: a apoteose dúbia da despedida



Guadi Galego

Coube à cantora Guadi Galego a abertura do último dia de festival. Apresentando o seu espectáculo como um encontro entre culturas especial para o FMM, por si intitulado como o Festival de World Music mais importante da Península Ibérica, o concerto começou morno e aparentemente com aproximações maiores à música ligeira ou a terrenos jazzísticos do que à vertente tradicional. Para este facto, muito contribuiu uma formação instrumental algo limitada, apenas com piano, contrabaixo e percussões. Contudo, com a simpatia na voz e na comunicação com o público de Guadi, com o aumento da intensidade do piano e com alguns momentos de quase catarse na bateria, o concerto acabaria por funcionar em crescendo, melhorando significativamente a partir da sua metade. Passando por uma homenagem a alguns nomes emblemáticos da música galega, o resultado final pode não ter sido soberbo, mas proporcionou pelo menos um agradável final de tarde.

Galaxy

Desconhecíamos a música deste quinteto, apresentado como grupo o mais idolatrado e importante da música moderna timorense, praticando uma fusão ente reggae, rap, funk, rock, clássicos da resistência e os ritmos tradicionais do povo Fatakulu. Na nossa ignorância confessa destes ritmos Fatakulu, temos de observar que naquele final de tarde no palco da praia, estes ou não saíram da resenha de apresentação, ou são virtualmente indistintos dos ritmos do rock, tendo este aqui um precursor pouco conhecido. Um som inicialmente mais jamaicano, posteriormente rock por inteiro, descendo aos meandros mais duvidosos do hard-rock, com direito a solos proeminentes que Richie Sambora não desdenharia. De étnico, o cantar em Tetúm e pouco mais. Considerava a resenha de apresentação estes jovens como nem sempre compreendidos pelos mais velhos, mas idolatrados pela nova geração. Até ver, alinhamos com os primeiros.

Lole Montoya

Flamengo, rasgo de alma, balanço mestiço, festa cigana… e popular na sua generalidade. Lole Montoya é uma das grandes intérpretes do género, tendo-o conjugado com outros estilos, como a música árabe, mas, ao invés de outros músicos de fusão mais recentes, como Pitingo, sem nunca o descaracterizar. Com quase 40 anos de carreira, divididos entre o percurso na dupla Lole y Manuel e a solo, a andaluza mostrou na abertura nocturna do castelo que, apesar da veterania, preserva todas as suas capacidades vocais e, acima de tudo, uma enorme alma e genuinidade em palco. Como tal, perdoa-se quando, numa fase intermédia do concerto, se esquece do título da música que apresenta (“son muchas canciones”, justifica Lole). Com o acompanhamento tradicional das guitarras, das percussões e, claro, das habituais palmas tão características, um concerto para aquecer corações… antes destes explodirem com as propostas africanas.

Cheick Tidiane Seck feat. Mamani Keita

Nestas coisas das músicas com os pés mais ou menos enterrados na respectiva tradição étnica já há muito vimos aceitando o facto de a República do Mali ser uma super potência. Não que se trate de uma só, coesa e poderosa cultura, pois do Mali recebemos sobretudo os frutos da localização charneira deste país entre a África Sahariana e sub-sahariana. Tudo isto para dizer que o concerto encabeçado por Cheick Tidiane e Mamani Keita dava ares de um "República do Mali vs. Resto do Mundo", tal é o cartel de Cheick Tidiane (Teclista, compositor e responsável pelos arranjos) e da cantora Mamani Keita. E em que resultou, afinal, este encontro entre uma velha raposa da música Maliana com uma das suas vozes emergentes? Num concerto de franco entretenimento, concerteza, e pouco mais. Destaque para a competência evidente de todos os músicos colocados à ordem de Cheick Tidiane Seck, num aglomerado que nitidamente dependia em todos os seus movimentos do que ordenasse o órgão mágico deste, ao ponto de Mamani Keita ter parecido apenas mais um em palco (embora com uma presença e uma voz que não enganam!). De resto, não assistimos a nenhuma revelação musical, decorrendo todos os temas com as doses certas de emoção e vibração - imaculados - permitindo demonstrações várias de que estes músicos não nasceram ontem mas que terão guardado os seus melhores truques para os concertos em nome próprio.

Staff Benda Bilili

Comecemos pelo início. E o início é que Trés Trés Fort, disco de 2009 dos Staff Benda Bilili é um dos grandes álbuns de música africana dos últimos anos. E que na música do Congo e mesmo especificamente na editora Cramned há muito mais do que a percussão minimal proeminente nos primeiros volumes da série Congotronics. Há também, como aqui, rumba congolesa, influenciada por grandes mestres como Franco ou Tabu Ley Rochereau e bem mais próxima da lógica afro-cubana de uma Orchestra Baobab que de uns Konono Nº1. A que se acrescenta a invenção de um incrível instrumento artesanal, formado a partir de uma lata de leite, de onde foi anexada uma corda e de onde saem sons absolutamente vibrantes. Ao vivo, o concerto do FMM começa logo de forma arrebatadora com dois dos temas mais fortes do disco, “Moziki” e “Moto Moindo”, o segundo dos quais com o belíssimo efeito do fogo de artifício, com menos imponência que em anos anteriores, provavelmente em nome da contenção de fundos. Podia-se temer que, esgotando alguns trunfos principais logo a abrir, o concerto pudesse decair, mas isso não aconteceu. Percorrendo quase todo o disco (faltou “Sala Mosala” e pouco mais), a que se acrescentou um óptimo tema novo, o concerto foi consistente do princípio ao fim (dois encores incluídos), contando apenas e só com o lado musical propriamente dito (vozes, guitarras, percussão e o tal instrumento peculiar), sem contar com grandes artifícios de interacção com o público ou de dança, até porque quase toda a banda sofre de deficiências físicas graves. Aliás, para quem julga que é o factor pena que provocou a aclamação generalizada da crítica em relação a este projecto de Kinshasa, fica a resposta através de um cliché: “Todos diferentes, Todos iguais”. Os Staff Benda Bilili são apenas e só MUSICALMENTE brilhantes e deram, neste último dia, previsivelmente o grande concerto do festival.

U-Roy & Batida


A tremenda enchente no palco do Castelo trasladou-se sem perdas visíveis para o palco da praia. A passagem das horas, das forças disponíveis, a gratuitidade do acesso, já se sabe no que resulta: Palco da Praia em fim de noite é uma marabunta mais inclinada para o hedonismo musicado que para audição atenta, o que está muito bem e compreende-se perfeitamente. Portanto, boas vibrações e/ou ritmos acelerados é o que a malta quer, e os nomes escalonados trouxeram ambos em sequência. U-Roy, nome grande da música jamaicana, trouxe o toasting relaxado sobre base reggae/dub, sua invenção nos idos de 60-70s, com profissionalismo e assinalável genica vocal e física para os 67 anos. O projecto Batida, que se seguiu, trouxe uma mistura de kuduro com música angolana dos 60s-70s repescada nos arquivos da Valentim de Carvalho, uma mina de ouro ainda pouco conhecida. Receita conseguida, pelo menos na fase inicial, com o mérito de temperar a vitalidade do kuduro com a dignidade vetusta do semba, sem cair na chungaria pura-e-simples que amiúde afecta o primeiro. A este propósito da justa medida bom/mau, sagrado/profano, erudito/chunga, receita mais saborosa que a de Bailarico Sofisticado com Selecta Alice na noite anterior, e mais efusivamente saudada pelo público, com direito a invasões de palco. Pelo menos na fase inicial, dizíamos, pois com o avanço das operações não havia aparentemente mais truques na manga, e algum fulgor decaiu em alguma monotonia tum-tum-tum. Ou então sucumbiu o cronista ao seu cansaço (nota: temperar a subjectividade destes juízos com as condicionantes do início do parágrafo).

Textos de Daniel Marques Pinto, João Torgal, José Reis.

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