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30.7.10

FMM SINES 2010, dia 2




Quinta feira, 29 de Julho: O regresso à normalidade.



34 Puñaladas

Foi com uma abordagem ao tango menos convencional que se iniciou o segundo dia do FMM, com o regresso ao festival do grupo 34 Puñaladas, 3 anos depois de marcar presença em Porto Côvo. Um tango sem o clássico bandoneón (apenas guitarras e voz), mais pausado e mais fatalista, longe da apoteose de sensualidade da vertente mais mediática deste estilo musical. Alternando entre instrumentais e temas vocalizados e entre repertório do novo álbum da banda e readaptação de material argentino passado, incluindo uma versão de Astor Piazolla, os grandes momentos de vivacidade do concerto tiveram o cunho do espírito de comunicador do vocalista da banda. Começou por pedir desculpa ao público por não falar português, espanhol ou inglês, mas apenas o calão das ruas de Buenos Aires, efectuou apresentações explicativas de alguns temas, fez referências futebolísticas e homenageou figuras ímpares como Hermeto Pascoal, Lhasa ou Mercedes de Sosa. Tudo isto com um à vontade que contribuiu para animar este agradável e eximiamente interpretado concerto de final de tarde do Castelo.

Wimme

Foi com o lado musical da cultura do povo escandinavo Sami, que decorreu o primeiro concerto da praia do segundo dia de festival. Neste contexto, o destaque foi naturalmente para a imponente e xamânica voz de Wimme, capaz de criar per si paisagens sonoras de excelência. No entanto, como, apesar dos deliciosos temas a capella dedicados a animais (urso, rena, raposa e pássaro), isso poderia ser curto, Wimme faz-se acompanhar de uma secção instrumental que, não só não perturba o misticismo vocal, como a realça. Desta forma, as percussões, o saxofone ou instrumentos de cordas como o banjo ou o cavaquinho (estranho não é?), com aproximações rendilhadas ao jazz ou até á chanson (?!), a que se acrescenta a construção electrónica, ajudam a contribuir para um final de tarde profundamente envolvente. Até porque, contrariando o receio desta ser música muito fechada em si mesma e algo desajustada ao espírito de festival, a banda mostra ter uma noção de espectáculo suficiente para adaptar a sua abordagem ao propósito e para revelar em Wimme um altamente improvável enternainer, que, mesmo sem conseguir falar correctamente inglês, demonstrou a sua mestria ao nível da comunicação e interacção gestual com o público. Assim, reunindo espiritualidade, música de eleição e sentido performativo em pleno, Wimme e sua banda deram o primeiro grande concerto do FMM Sines 2010.

Yasmin Levy

Pegando na tradição sefardita do ladino, a que se juntam outros universos sonoros como o flamengo e até aproximações estilísticas ao fado, a música em disco de Yasmin Levy revela a sua voz absolutamente brilhante, mas uma aproximação um pouco perigosa a um certo som mais easy-listening e pouco consistente. Ao vivo, esta impressão desvanece-se. Não só a intérprete israelita revela que, muito mais do que um enorme talento vocal, tem uma alma imensa a cantar, como a complexidade e densidade instrumental são bem maiores do que se pensava. Num concerto absolutamente adequado para primeiro espectáculo da noite, há momentos que merecem indubitável destaque, como o arrebatador e emotivo dueto virtual com o seu falecido pai, a incursão pela música balcânica mais ritmada ou um tema iniciado com o som incrível do duduk, um tipo de flauta tradicional do Leste Europeu e do Médio Oriente. É certo que houve aspectos negativos, como a absurda tradução das palavras em espanhol para inglês (entre línguas irmãs da Ibéria não deve haver barreiras), ou a bem duvidosa versão de “Hallelujah” de Leonard Cohen (perfeitamente escusado meter-se por caminhos tão perigosos), mas isso não impediu que o concerto de Yasmin Levy tenha sido uma belíssima surpresa.

N’Diale – Jacky Molard Quartet & Founé Diarra Trio



Há cada vez mais colaborações entre músicos africanos e europeus. Ainda que muitas delas sejam duvidosas, encontram-se, pontualmente, grandes discos. Analisem-se os casos das colaborações entre Justin Adams e Juldeh Camara ou de Ludovico Einaudi e Balake Sissoko, isto só para citar dois exemplos.O quarteto de Jacky Molard (violono, contrabaixo, saxofone, acordeão), formação muito conhecida entre os amantes da música celta, lançou recentemente um disco juntamente com um grupo de malianos: Founé Diarra Trio (voz, djembé e n'goni). É incrível como quer em disco quer em concerto, ESTA música celta e ESTA música maliana se entrelaçam na perfeição. Em entrevista, Jacky Molard disse-nos que o processo foi simples, que a música é uma linguagem universal que brota naturalmente. Nós, como ocidentais racionais que somos, temos dificuldades em acreditar: achamos que é também fruto de muito trabalho e de uma genial maestria de Jackie na orientação das tropas. A osmose, ainda mais surpreendente em palco, faz-se naturalmente quer as músicas comecem com melodias bretãs quer com melodias da África Ocidental. O resultado foi sempre o mesmo: melodias coerentes, únicas, fundidas. Um dos melhores concertos do festival. Em boa hora Jacky viajou até ao Mali para conhecer os músicos malianos e concretizar uma colaboração que soa a perfeita.

The Mekons

Poucos poderiam imaginar que uma referência do pós-punk iria, em 2010, tocar no palco do Castelo de Sines. A verdade é que aconteceu mesmo. Tudo porque, em 1985, a banda se aproximou das raízes folk inglesas com o disco "Fear and Whiskey". O concerto fez alegrar algumas almas revivalistas e apresentou a banda a um público mais jovem que não se mostrou muito convencido.

Grupo Fantasma

No contexto do concerto da véspera no mesmo horário, o fecho do segundo dia deu-se novamente com a vertente latina em franco destaque, desta a feita a cargo do colectivo americano (mas com descendências da América Central) Grupo Fantasma, numa mescla de linguagens tradicionais diversas, a que se acrescenta, por exemplo, o funk ou algum psicadelismo. Com uma dezena de músicos em palco e com uma postura francamente cheia de estilo e descontraída, o concerto foi marcado por algum sentido de humor, pelas referências gastronómicas (chocolate, bacalhau ou feijões) e pelo ritmo bem acelerado imposto pela predominância de sopros e percussões. A qualidade musical pode até ter algum carácter discutível, mas a eficácia deste tipo de sonoridade, neste horário e neste local, é verdadeiramente inequívoca.


Textos de João Torgal, José Bernardo Monteiro, Emília Salta.

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