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24.6.10

Festival MED 2010: dia 1 (23 de Junho) - a diversidade da música africana



Primeiro dia de festival, dia de sentir o seu pulsar, de recordar o seu espaço peculiar, situado em pleno centro histórico de Loulé, envolvendo as suas lojas, os seus restaurantes ou as suas gentes, e de recuperar a localização dos palcos e dos respectivos caminhos entre eles (ou talvez não). É também o primeiro de quatro dias de grande riqueza musical, num festival com a sua programação repartida em vários palcos e condensada num algo curto espaço de tempo por noite, o que nos obriga inevitavelmente a fazer escolhas e a abdicar ou a dar pouca atenção a alguns nomes importantes, como aconteceu neste primeiro dia com Zeca Medeiros.
Em particular, por opção da organização ou por mera coincidência na agenda dos músicos, este dia reunia desde logo dois dos mais aguardados concertos do festival (ambos de música africana), em que um confirmou bastante mais as expectativas do que o outro, como se veria mais tarde...

Enquanto observador, a noite começou para mim com Amparo Sanchez. Depois dos Amparanoia, a cantora espanhola revela-se agora a solo mais madura, o que, no caso, não implica maior comodismo, mas sim uma toada sonora mais apurada. Tal como acontece com os Ojos de Brujo, também não sou fã da fusão da música latina com outras sonoridades protagonizada pelos Amparanoia, pelo que saúdo esta inversão musical, traduzida com grande relevo pela mudança nos horizontes geográficos, agora centrados no México, no Oeste Americano, e em Cuba, rodeando-se no disco Tucson Havana de ilustres convidados, como os Calexico ou Omara Portuondo. Em palco, com um alinhamento essencialmente dedicado a este disco, a intérprete dá um concerto relativamente morno, mas interessante, em que deixa bem vincado o seu timbre quente e grave e em que os melhores momentos são marcados pela presença do trompete, independentemente das vertentes sonoras envolvidas. Para o fim, deixa uma mensagem de um tema cubano para afastar a má-sorte e atrair as boas vibrações, rendamo-nos a ela.


De seguida, passagem para o palco da Matriz, onde se inciava o concerto de Femi Kuti & The Positive Force. Filho da grande lenda do Afrobeat, Fela Kuti, e já com mais de 20 anos de carreira, Femi mantém na sua música grande parte dos condimentos da sonoridade do pai, incluindo o intevencionismo social, mas incrementa-lhe alguns aspectos de natureza ainda mais urbana. O concerto de ontem foi marcado por alguns problemas de natureza técnica, nomeadamente a ausência quase total do som do baixo (notava-se principalmente no arranque dos temas, antes dos sopros e da percussão tomarem o protagonismo) e das vozes das cantoras / dançarinas de apoio ou alguns feedbacks, pela ausência de grandes fogachos, por demasiado show-off peformativo do nigeriano e até pelo palpite de que, em termos musicais, há ali "muita parra e pouca uva". Mas ao vivo isso conta muito e afrobeat é afrobeat, pelo que é suficiente para que o concerto seja, durante um longo período, um processo rítmico irresistível. Até ao momento em que nos saturamos e sentimos saudades da maior consistência musical do seu irmão Seun Kuti, que deu no ano passado um fabuloso concerto no CCB.

Depois de espreitar a fadista Isa Brito e o hip-hop explosivo e transmutado dos Macacos do Chinês, de provar um folhado de Loulé e um licor de alfarroba e de me perder algumas vezes no caminho, final de noite no palco da cerca com Vieux Farka Touré. Da Nigéria para o Mali, da África Anglófona para a Francófona, do Afrobeat para o blues, a mudança nos ritmos africanos é significativa... até em termos qualitativos. O músico maliano, filho da grande lenda do blues africano Ali Farka Touré (uma noite de filhos de gente ilustre, não haja dúvida), editou em 2009 um dos mais aclamados discos de World Music do ano, intitulado Fondo (não o ouvi com a devida atenção) e a sua transposição para palco é arrebatadora. Com o virtuosismo das guitarras africanas e com as brilhantes acelerações rítmicas, a cargo das percussões tradicionais e de um fabuloso baterista ocidental, Vieux Farka Touré deu o primeiro grande concerto da edição 2010 do Med (pelo menos, considerando o que assisti). Depois da explosão, que pôs toda a gente a dançar freneticamente, veio um final com percussão minimal, marcado por uma profunda espiritualidade (Vieux Farka tentou dedicar esta música a alguém, mas as limitações do seu inglês são evidentes e a sua mensagem foi incompreensível) e pela comunhão com o público. Um final que termina com todas as dúvidas, bendito sejas Vieux Farka por não teres seguido os desejos de teu pai (Ali Farka não queria que o seu filho fosse músico). Assim, o legado de Ali Farka Touré está seguramente bem entregue.

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