l

31.7.10

FMM Sines 2010, dia 3

Sexta-Feira, 30 de Julho: o misticismo do Sahara


Kimi Djabaté

Em 2009, Kimi Djabaté lançou um dos discos mais incríveis do ano, chamado Karam e editado pela editora Cumbancha. Nele, o multi-instrumentista guineense (guitarra, balafon e outras percussões) radicado há mais de 15 anos em Portugal, fazia uma óptima fusão entre as linguagens sonoras mais ritmadas e expressivas da música mandinga com os toques mais lentos e quase baladeiros afro de um Habib Koité. Ao vivo, o concerto teria muito para ter sido óptimo, não fossem alguns problemas de som que impediram em muitos momentos a audição conveniente de instrumentos fundamentais como a kora ou até… o balafon. Ainda assim, com a simpatia de Kimi, com a sua genuinidade e a sua notória paixão pela música africana e pelas suas origens geográficas (emotiva a forma como nos expressou os votos de esperança na continuidade do bom momento actual da Guiné-Bissau), a essência do concerto preservou-se, culminando com um final pleno de cadência e celebração, antes de um encore com uma canção de embalar e um hino à dignidade e defesa dos direitos das mulheres. Dizia-nos Kimi antes do concerto que, mesmo gostando de estar em Portugal e de certos aspectos da cultura ocidental, esperava manter sempre esta ligação tão forte à tradição africana. Nós também esperamos…

The Rodeo

No melhor dia do festival desta edição do FMM para muitos, ao final da tarde no palco da Av. Vasco da Gama, a cantautora francesa de nome Dorothée apresentou o seu álbum de estreia acompanhada por violino e bateria. “Music Maelström”, álbum com nítidas influências da música americana, folk , country e blues, cantado em inglês, trouxe-nos canções algo simplistas que souberam a pouco ao vivo, proporcionando um final de dia mais relaxado, boa oportunidade para aproveitar e petiscar algo à beira-mar. Durante a sua actuação tivemos direito a uma versão do clássico de Johnny Cash, "Ring of fire", que não trouxe nada de novo, mas ainda assim teve direito a palmas no final, por parte do público que se ia avolumando. De referir a assombrosa semelhança de registo vocal à célebre Cat Power, abafando eventuais ressonâncias étnicas/tradicionais numa semântica indie. Uma actuação mediana, das menos apaixonantes das que decorreram neste palco, ainda que tenha sido encerrada com uma inusitada versão de "Beautiful People" de Marilyn Manson, quando, afinal, bonita bonita era só mesmo a menina Dorothée.

Barbez

Woah! Eis que Nova Iorque vem a Sines em 2010! E com que classe e com que erudição e com que força! Barbez é banda que já existe desde 1997 e nesta noite estiveram em palco todos os seus 7 elementos principais. Música de acordes frágeis e decididos que evoluíam em precisão, até rebentarem em bátegas de potência pura. Ficamos sem saber se o Castelo se interessou ou contemporizou, mas por nós, esta arrepiante mistura de Residents, Tango, Musette, Kurt Weill, folclore russo e sombras judaicas foi o suficiente para querermos arrancar à dentada as orelhas de todos aqueles que enchiam de converseta banal o espaço fronteiro à boca de palco. E ó que alegria era quando a massa sonora se erguia e a todos engolia nas bainhas de um fantasma (que bem podia ser o do poeta judaico Paul Celan, cujo sample o grupo teve o cuidado de refazer em Português). Se não nos deu o badagaio não foi concerteza culpa de Pamelia Kurstin e do seu instrumento: um Theremin que não foi mero adereço folclórico ou flatulência de uma vintage-pop. Em palco estiveram ainda uma guitarra sentada e barbuda (Dan Kaufman), um violino feminino, um clarinete compenetrado, um vibrafone expansivo, um baixo + um
e-book e uma bateria engravatada (que eu confesso ter ido verificar se era tocada de pé ou sentada). Bom, assustador, agradecido Sines.

Sa Dingding

Antes da banda mais esperada da noite, os Tinariwen, subiu ao palco do castelo a chinesa Sa Dingding, com a sua aura inspiradora, num espectáculo completo. Para além da sua imponente voz, sobressaía também uma imensa energia na sua dança, que conseguiu contagiar o público. O seu vestido com um vistoso efeito de penas de aves fazia jus à sua música. Sem perder a herança da música tradicional chinesa, das diversas terras por onde foi passando ao longo da sua vida, logrou uma mistura interessante com a electrónica. Um dos concertos surpresa nesta edição do FMM Sines, quanto mais não seja pela pujança cénica e o tratamento claramente ocidentalizado da poderosa voz de Sa Dingding, globalizando-a, e da normalização dos restantes instrumentos, tornando a sua música acessível a públicos para lá da muralha, seja ela a Grande Muralha ou a do castelo de Sines.

Tinariwen

Responsáveis pela reprodução musical da cultura desértica do Sahara (mais uma das múltiplas vertentes desse paraíso sonoro chamado Mali), os Tinariwen voltaram a Portugal para apresentar o seu mais recente Imidwan Companions, disco que não trazendo nada de particularmente de novo, reforça o som típico da banda, tão hipnoticamente monocórdico como… interessante. Com um alinhamento que incluiu também passagens pelos mediáticos discos Amassakoul e Aman Iman, mas que se poderia condensar num único tema global, os músicos, vestidos a rigor com os seus turbantes tuaregues, tiveram a mestria para contornar esse aspecto, assente em guitarras e percussões com um som muito constante e em vocalizações arrastadas, incorporando alterações de ritmo suficientes para manter entusiasmada uma plateia fácil de render, mas não propriamente despojada de sentido crítico. A prova está na enorme enchente verificada no concerto e nos dois encores pedidos de forma vibrante. Sem grandes rasgos de surpresa, uma aposta segura, naturalmente confirmada.

Forro in the Dark


Forro in the Dark (sic, sem acento) é um grupo de 4 brasileiros radicados em Nova Iorque que, fazendo jus ao que o nome deixa entender, cruza os "ritmos sincopados do xote, do baião, do arrasta-pé, com o dub, o indie o rock, o funk" etc. Um som mais festeiro para encerrar no palco da praia o alinhamento do dia, respeitando uma estratégia programática já longa, que, se nunca desilude os corpos sedentos de ritmo e festa até madrugada, esteticamente já oscilou entre boas surpresas e duvidosas ambiguidades de gosto. Ao início da actuação pareceu que iríamos pelo segundo caminho, com pouco de tradicional e muito de um som ocidental exotizado, que cada vez mais indistintamente vai fazendo escola no pop-rock nomeadamente nova-iorquino (vejam lá que até metemos umas congas e coras e berimbaus no meio das guitarras!). No entanto, com a desenrolar das operações, os tais ritmos sincopados do xote, do baião e do arrasta-pé progressivamente foram perdendo o gosto de especiaria exotizante em pop-rock requentado e tomando a dianteira, no que ajudou também a flauta. Assistiu-se então a um concerto que não só satisfez a multidão a priori conquistada, assim houvesse batida, como terá apaziguado os cínicos que procuram mais nos sons do mundo que mera especiaria exotizante do grande produto industrial. Se este segundo momento compensou o primeiro, é questão para pensar.

Textos de Emília Salta, Daniel Marques Pinto, João Torgal e José Reis.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial

<