l

9.5.10

Gotan Project, Coliseu dos Recreios, 7 de Maio


Já lá vão cerca de dez anos que os Gotan Project surpreenderam meio mundo com a sua fusão vanguardista entre os elementos tradicionais do tango e a componente electrónica, formalizada em disco através de La Revancha del Tango. Depois de um excelente e subvalorizado segundo trabalho, Lunatico de 2006 (para mim, um álbum em que, apurando o seu som, moderando a presença da electrónica e introduzindo outros elementos interessantes, superaram o registo de estreia), o presente ano marca o regresso dos Gotan Project aos discos. Apesar do seu título, Tango 3.0 mostra, muito mais do que em Lunatico, uma tentativa de renovar o estilo e a sonoridade da banda e, nesse particular, a opção acaba, pelo falhanço de alguns temas, por se revelar pouco eficaz. É certo que o tango continua a estar no centro do disco e que há aqui propostas inovadoras bem interessantes, como o coro infantil do refrão de "La Rayuela" (homenagem ao escritor Júlio Cortazar) ou a aproximação à música mexicana em "De Hombre a Hombre". Mas o desvio para uma vertente mais easy-listening, como em "Peligro" ou em "Desilusion", a maior frieza electrónica de "Mil Milliones" ou o lado farwest de "Panamericana" soam a redondos passos em falso.

Mas chega de falar da discografia da banda e passemos ao concerto propriamente dito. Foi um coliseu completamente lotado que recebeu a banda multi-nacional (um suiço, um francês e um argentino) e os seus já habituais convidados, dois anos depois de terem actuado no Campo Pequeno. A abertura fez-se com a cover de "Cuesta Abajo" do mítico Carlos Gardel, num formato despido de electrónica, com formação instrumental com bandoneón, guitarra, violino e piano, que se fez acompanhar pela voz incrível, profundamente quente e sensual, de Cristina Vilallonga. De seguida, entrada de rompante dos DJ's para a interpretação de "Epoca" do aclamado primeiro álbum. Estava dado o mote para um concerto de contrastes, este a que se pôde assistir no Coliseu de Lisboa. Por um lado, com algumas diferenças importantes entre parte do material novo e o regresso ao passado dos Gotan Project ("Uma Musica Brutal" foi um dos grandes momentos do concerto), que infelizmente se fez com uma passagem algo residual por Lunatico, apenas com o incrível e viciante "Diferente" e com "Mi Confesion" (um dos melhores exemplos de reinvenção positiva da banda), com a presença do rapper Xoxmo a ser feita de modo digital. Aliás, o vídeo merece nota de elogio principalmente pela forma como acrescentou alguns elementos sonoros impossíveis de reproduzir ao vivo (como em "La Rayuela"), impedindo a descaracterização de alguns temas, mas também por alguns momentos interessantes de fusão entre imagem e som. Mas, o contraste fez-se também ao nível dos pormenores sonoros, nomeadamente na intervenção do lado electrónico. Quando a sua contribuição se fez como catalisador do lado sedutor do tango, como impulsionador da irrepreensível componente instrumental (nota de destaque para a óptima violinista e trompetista) e dos deliciosos momentos de spoken word, tão presentes na música do projecto, o resultado foi óptimo. Quando os ritmos electrónicos forçaram o protagonismo e deixaram o resto para segundo plano, a música que se ouviu perdeu força e qualidade.

Depois de uma versão exageradíssima de "Panamericana" (veio-me à memória a expressão "suave tribalismo noise", mas será só um devaneio da minha parte), vieram os muito requisitados encores. Aqui, alguns temas novos alternaram com dois dos grandes clássicos de La Revancha del Tango: "Queremos paz", numa versão altamente estranha e só a espaços identificável, e "Santa Maria (del Buen Ayre)". Um final apoteótico, com o público a aplaudir de forma entusiasta e genuinamente calorosa, num dos concertos mais celebrados que vi nos últimos tempos.

Concluindo, depois do fim em 2008 (a digressão desse ano era considerada a sua tournée de despedida), o regresso da banda multi-nacional pode não ter o fulgor de outros tempos e ser feito com um álbum menor, mas nem isso diminui o impacto que a sua música tem em Portugal. A reacção do público de ontem não engana: os Gotan Project continuam a ter um enorme culto de popularidade no nosso país.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial

<