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30.7.08

26 de Julho, 10º dia FMM.

O dia de todas as trocas ...




Rokia Traoré

A diva maliana transcende-se quando enfrenta um palco. Já assim tinha sido em 2004 e voltou a ser, agora, em 2008. O seu concerto - o melhor da edição do FMM - foi construído, essencialmente, com base em temas de "Tchamantché", o seu último disco, editado em Maio, que revela uma faceta blues, mais intimista. Felizmente para o público, Rokia e os seus músicos foram inteligentes na forma como adaptaram as músicas de "Tchamantché" ao palco do Castelo, ao acrescentar-lhes uma secção rítmica fortíssima. Para além disso, tiveram o cuidado de o reforçar com temas de discos anteriores e com uma versão de "Lady", de Fela Kuti, que ajudou a fechar o concerto em apoteose. Os encantos de Rokia, inesgotáveis, materializam-se na forma sensual como dança e como toca guitarra. É impossível ficar indiferente a um concerto destes, durante o qual os músicos (em especial o baixista), não pararam de elevar o ritmo do concerto e de comunicar com o público através de uma energia muito própria. O concerto deixou saudades. Muitas! Mesmo muitas! Deveria ter sido Rokia a fechar o palco do castelo...

Doran / Stucky / Studer / Tacuma

Foi com um tributo a Jimi Hendrix que se encerrou o sector do castelo da 10ª Edição do Festival de Músicas do Mundo de Sines. Este projecto multinacional (o guitarrista Christy Doran é irlandês, o baterista Fredy Struder e a vocalista Erika Stucky são suiços e o baixista Jamaladeen Tacuma é americano) veio ao FMM trazer um espectáculo exclusivamente constituído por covers de Hendrix, num concerto incendiário, marcado pelo habitual fogo-de-artifício do último dia e com Stucky a assumir-se de forma consistente como a reencarnação feminina do mítico músico norte-americano. Por aqui não faltaram alguns dos seus temas mais emblemáticos, como “Crosstown Traffic”, “Voodoo Child” ou, a fechar, “Hey Joe”,. Em todo o caso, não deixa de ter sido uma opção discutível e estranha terminar esta parte do festival (um momento sempre marcante) com esta vertente claramente rock, atendendo à habitual lógica programática e à aclamação crítica de Rokia Traoré.

Boom Pam

Foi já numa hora consideravelmente tardia (para lá das 4 da manhã) que subiram ao palco os israelitas Boom Pam. No entanto, para quem pudesse pensar que isso iria influenciar negativamente o concerto, não poderia estar mais errado Apelidados por um crítico alemão como o cruzamento entre as bandas-sonoras de Quentin Tarantino e de Emir Kusturica, este músicos deram um concerto cheio de ritmo e bastante longo (terminou quase de dia), cativando o incansável público do festival. Com mais Tarantino que Kusturica e mais surf que balcãs, os Boom Pam assmuiram-se como uma boa proposta para fechar, no que aos concertos diz respeito, esta edição do festival.
Para os ainda resistentes, a organização promoveu, de seguida e enquanto ia nascendo o dia, aquilo a que chamou um “Bailarico Sofisticado”, um conjunto de DJ Set’s ainda com algum sabor etnico. Foi a desdepedida do festival. Agora...resta-nos esperar com nostalgia pelo FMM 2009.


Texto de João Torgal, José Bernardo, José Reis e Rui Veiga.
Nota: Ainda faltam críticas a 3 concertos, a publicar brevemente.

26.7.08

25 de Julho,9º dia FMM 2008.

Os chineses que gostariam de saber tocar acordeão ...




Rachel Unthank and The Winterset

Num final de tarde em que corpos já cansados e outros recém chegados ajudavam a construir um cenário melancólico e tranquilo, o tempo passava sem se dar por ele ... ao longe, eis que surgia uma voz doce, sublime, ingénua, pacífica. Foi desta forma que arrancou mais um concerto na Avenida da Praia. Rachel Unthank e The Winterset fizeram balançar o público presente no final de tarde de Sines. Para além disso seduziram, por completo, Tod A., mentor dos FireWater.

Faiz Ali Faiz

Faiz Ali Faiz iniciou a noite com as rezas qawalli familiares aos ouvidos ocidentais desde Nusrat Fateh Ali Khan. Nusrat aliás parece pairar como uma sombra sobre este género musical desde a sua morte, e o artista no género que se apresente no ocidente acaba por ver o seu nome emaranhado no do gigantesco mestre. Assim, Asif Ali Khan, artista originalmente programado mas impedido de entrar na Europa por uma política de vistos surreal – a organização colocou muito correctamente uma faixa de protesto na entrada do recinto – era o "discípulo dilecto de Nusrat", enquanto Faiz Ali Faiz era o "artista que de forma mais constante tem carregado a tocha do mestre Nusrat". Os aspectos técnicos do qawalli estão para além dos conhecimentos deste vosso cronista, pelo que nos ficamos por dizer que a actuação reproduziu sem mácula o som hipnótico característico do género, dentro dos condicionalismos do formato festival. Para um género musical cujas actuações chegam a durar horas, um encore de 5 minutos parece como interromper um rocker prestes a entrar no solo. De rock aliás trataria o resto da noite no castelo. O jovem alternativo aprecia a música étnica para dar toque de exotismo às suas aventuras de início de noite, mas a força dos instrumentos tradicionais não lhe chega para conquistar a noite e algo mais.

KTU

Quando está em Sines, Kimmo sente-se em casa. A forma como se exprime em palco é disso reveladora (e só possível quando a relação com o público e com a organização é intíma). Os KTU, agora com nova formação, sem Samuli Kosminen, mas ainda com Kimmo Pohjonen, Pat Mastelotto e Trey Gunn, tocaram com uma energia contagiante. Exploram agora novos sons, mais afastados das melodias folk que o acordeão de Kimmo se encarregava de introduzir em quase todos os temas de 8 armed monkey, o primeiro disco da banda (e que serviu de base ao concerto de 2005). As sonoridades são agora especificamente construídas para os diálogos que os músicos mantêm em palco, o que torna o espectáculo mais cénico e visualmente mais estimulante. O público, que se entusiasmou sempre que os músicos improvisaram em palco (especial destaque para as demonstrações de raiva do acordeão de Kimmo), ouviu um concerto tecnicamente melhor, mas menos mágico do que o de 2005. O fascínio que os músicos de Ciu Jian demonstraram, durante o soundcheck, pelo som vindo do acordeão de Kimmo, fez-nos pensar numa colaboração surrealmente espontânea entre o finlandês e a banda de rock chinesa.

Cui Jian

Depois do concerto demolidor de Kimmo Pohjonen e do seu projecto KTU, a noite no castelo prosseguiu em alta voltagem. Foi com o recinto praticamente lotado que entrou em palco Cui Jian, o pai do rock chinês (como é conhecido), embora não se reveja nessa designação. Para além do rock, houve momentos rap, blues e funk, que se aproximaram, em alguns momentos, de uns Red Hot Chili Pepper. Só muito esporadicamente surgiram elementos orientais, trazidos apenas por alguns instrumentos de sopro característicos, o que torna este projecto muito próximo do rock de fusão de cariz anglo-saxónico, perdendo-se a oportunidade de ter aqui algo mais característico e original.

FireWater

“Expect the unexpectable”! Foi esta a sugestiva frase proferida por Todd A., mentor do projecto Firewater, a propósito das expectativas para o seu concerto no Festival de Músicas do Mundo de Sines. Responsável por fundir as linguagens do punk e do rock com a música cigana, o concerto primou pelo ecletismo e pela abrangência sonora. Embora referido como próximo do que fazem actualmente nomes como Gogol Bordello ou Beirut, as semelhanças passarão mais pelo conceito e pela ideia base, do que propriamente pelo produto musical final. Não vemos aqui música cigana de forma tão vincada, ou com mudanças de ritmo tão bizarras e irresistíveis, como acontece com os Gogol Bordello, nem a presença forte da sonoridade folk, como sucede no projecto de Zach Condon. Em contrapartida, trata-se de um colectivo musical com uma sonoridade muito própria, que muito empolgou o público presente na Avenida Vasco da Gama.

Texto de João Torgal, José Bernardo, José Reis e Rui Veiga.

24 de Julho, 8º dia FMM Sines 08.

A idade é um posto.





Mandrágora

Foi ao som do fortíssimo tema "Candelária" (um pouco prejudicado pela deficiente qualidade do som, algo que viria a melhorar ao longo do concerto) que os portuenses Mandrágora deram, na Avenida Vasco da Gama, o pontapé de saída para o 8º dia do Festival de Músicas do Mundo, contando com uma plateia bem composta para os ver. A primeira fase do concerto incidiu essencialmente sobre o seu 2º e último álbum "Escarpa", com a particularidade dos dois temas com voz que aparecem no disco, "Abaixo Esta Serra" com Francisco Silva e "Turbilhão" com Helena Madeira, terem contado aqui com a voz grave da luso-francesa Simone Alves. Destaque para o segundo tema, com uma versão completamente diferente do original, mantendo, contudo, uma dinâmica profundamente espiritual, quase tribal. Depois de um peculiar intervalo, motivado pelo desfalecimento momentâneo do percussionista do projecto, altura para a entrada em cena dos 3 convidados dos Mandrágora para este espectáculo: para além de Simone Alves, o violinista Jacky Molard e o clarinetista Guillaume Guern, músicos com que a banda teve o prazer de conviver e tocar na sua viagem pela Bretanha. Foi com eles que se encerrou este concerto, através da desconstrução absoluta de dois temas do primeiro disco: "O Aranganho" e "E Pia o Mocho".
Apesar dos contratempos já referidos, foi uma boa forma de abrir as hostilidades deste dia do festival, fazendo jus à fama que os Mandrágora já possuem de ser uma banda constituída por óptimos músicos.

Marful
Foi um castelo ainda a meio gás que recebeu, de início, os galegos Marful. É no som dos bailes galegos da primeira metade do século XX e na sua confluência de estilos musicais, que vão desde a música tradicional galega até às sonoridades resgatadas à América Latina e aos Estados Unidos, como o tango, o jazz ou o twist, que assenta a música deste projecto. Como tal, não admira que se tenha instalado a festa no recinto, num concerto onde, dado o conceito, tem importância fulcral a parte da dança, a parte performativa e a parte cénica. A liderar este projecto está Ugía Pedreira, com a sua voz quente e extraordinariamente intensa (algures entre a voz de Lhasa, de Omara Portuondo e de Dani Klein dos Vaya com Dios? … talvez sim, talvez não) e com uma postura verdadeiramente contagiante, gerando-se uma forte interacção com o público, apelidado pela cantora de "público do paraíso". Pelo meio, há lugar à interpretação de um tema anti-fascista cantado durante a guerra civil espanhola e a uma reflexão sobre a revolução da comunicação e dos transportes, mostrando que, embora em ritmo de festa, a palavra e a mensagem não são deixadas para segundo plano na música dos Marful. No encore, já com o recinto muitíssimo mais cheio, surpreendem ao interpretar um tema brasileiro. Marful, Galiza…a lusofonia e o Mundo ali tão perto. Em todo o caso, o melhor concerto da noite ainda estava para vir…

Toto Bono Lokua

Há público e público em Sines, dizia-se há dias, e programação a condizer. Toto Bono Lokua apresentou algo como uma música world de elevador que provavelmente não agradaria no Auditório do Centro de Artes, mas funcionou no espaço do Castelo. O ritmo competente manteve os corpos em movimento, o jogo de vozes entreteve, e mesmo teclados lembrando um cocktail na embaixada tiveram a adesão do público. Uma actuação nas fronteiras entre a world music e o easy listening.

Orchestra Baobab

É difícil falar de algo, ou de alguém, de quem se gosta muito. Quando os sentimentos toldam a razão, tudo se torna mais complicado. O carinho que todos os elementos do Artesanato Sonoro sentem pela mais mítica orquestra africana, torna difícil uma apreciação despida de sentimentos. O virtuosismo, a experiência e a improvisação tornaram o espectáculo único, que conteve temas míticos como "On verra ça", "Bul Ma Min", "Amikita Bai" ou "Cabral". É que os músicos africanos, ao contrário de algumas estrelas do pop ocidental, sabem envelhecer ...

Toubab Krewe, a equipa de estrangeiros
O que é que leva cinco adolescentes norte americanos a incorporar, de forma tão vincada, a cultura musical africana na sua identidade? A pergunta retórica é útil para introduzir o conceito no qual a banda, encarregue de fechar o 7º dia de festival (no segundo concerto da noite na Avenida da Praia), se baseia. Os ritmos festivos que emanaram da parafernália de instrumentos da banda africana (perdão, americana!), foram a prova de que tudo se consegue à custa de muita dedicação e trabalho. A lição estudada em África, com os melhores mestres, foi retida de forma exemplar. Aprender compensa … e de que forma!

Texto de João Torgal, José Bernardo e José Reis.

24.7.08

23 de Julho, 7º dia FMM Sines 08.

Um dia sem fronteiras.





Waldemar Bastos

O primeiro concerto no Castelo da edição 08 do festival, foi marcado pela presença de uma figura incontornável no circuito "world music", Waldemar Bastos. As lutas politicas do sul de África são vistas por olhares pacíficos e românticos de Waldemar, que durante a ditadura de Salazar foi preso pela PIDE e sofreu na pele a opressão do colonialismo.Um senhor em palco, que trouxe com ele notáveis instrumentistas, que deram ao público de Sines oportunidade de assistir a uma das melhores formações africanas da ultima década.

Músicos de diversos países africanos como Angola, Congo, Gana e Moçambique fizeram uma mescla entre os ritmos quentes africanos com os do sul e centro das Américas numa ponte que primava pelo bom gosto (sempre com Angola na mira). Seguramente, um dos pontos altos do festival, num concerto que fez lembrar outros gigantes líricos africanos como o etipoe Mahmoud Ahmed que esteve presente na edição passada do FMM de Sines.

Vinicio Capossela

A noite continuava, o cartaz prometia. É então que chega um concerto muito esperado pelo publico no geral (em particular pelo feminino). Vinicio Capossela, uma das maiores referencias da nova música italiana, nasceu na Alemanha mas vive em Milão há já muito tempo. É um cantautor que transpira o espirito da musica de Tom Waits e que absorve as influências do poeta John Fante e do filósofo Samuel Taylor Coleridge, para forjar uma experiencia e profunda abordagem literaria da música pop em algo bem diferente dos convencionalismos da musica popular europeia. Aliando sempre ao seu espectáculo os habituais efeitos visuais e exorcitando os demónios e figuras mitologicas gregas como o Minotauro, Vinicio tentou musicalmente recriar o labirinto do rei Minos, direccionando a sua música para estilos diferentes como o tango, o blues, o jazz, a rebetica, a morna, a bossa e o cabaret.Comprovou novamente ao publico português ser um show man, utilizando sempre muitos alicerces para manter a sua musica de pé, o que criou uma personalidade vincada, de paixões fortes entre o público. Os verdadeiros Minotuaros estavam para chegar...

Justin Adams&Juldeh Camara

Não é a primeira e nem será a ultima vez que culturas e estilos tão diferentes se encontram juntas no mesmo palco. Como este, já se viram outros projectos parecidos nomeadamente o álbum "Talking Timbuktu", resultado da parceria entre Ali Farka Toure e Ry Cooder, os albuns de Robert Plant "Dreamland" e "Sixty Six To Timbuktu" e o fantastico album de Damon Albarn "Mali Music". Assim sendo, não é de estranhar a parceria entre Justin Adams e Juldeh Camara, materializada com o album "Soul Science" (ainda mais quando sabemos que Justin Adams é o produtor da aclamada banda do deserto do Mali, os Tinariwen e que ja colaborou com Robert Plant no album "Mighty Rearranger" produzido em 2005 e que tocou também pelo mundo fora na banda de Plant, Strange Sensation). Estes ingredientes, quando adicionados ao facto de que Juldeh Camara é um excelente "griot" africano e especialista do "riti", antepassado africano do violino, fizeram com que acontecesse magia no Castelo de Sines, com uma explosiva fusão que levava até o mais rígido corpo do público a balançar, tudo por culta dos sons hipnóticos africanos produzidos pelo duo, ao qual se deve acrescentar a referência a um percussionista branco ... mas cheio de soul.


Anthony Joseph & The Spasm Band feat. Joe Bowie

A Avenida da Praia vestiu-se pela primeira vez nesta edição para acolher o melhor concerto de uma noite de qualidade musical extrema.
Anthony Joseph é um poeta, romancista, músico e professor. Nascido em Trinidade e residente no Reino Unido, a sua música é influenciada por grandes pérolas da musica soul/funk, como Gil Scott-Heron, Sly Stone, James Brown, George Clinton, assim como, o também poeta e musico contemporâneo Carl Hancock Rux. A magia negra foi espalhada pela praia com som muito groove e energético da banda The Spasm, constituída por um saxofonista tenor incrível ao estilo de Maceo Parker, aliada a um baixo sempre muito forte, guitarra, bateria, percussões e com o trombone de Joseph Bowie como convidado. Anthony Joseph mostrou o porque de ser considerado como uma das 10 estrelas da literatura inglesa para 2008 pelo The Times, a sua música cita as suas principais influências como o calypso, surrealismo,o Jazz, o espiritualismo da Igreja Batista a que assistiram os seus avós e os ritmos das Caraíbas.
O verdadeiro Funk eclodia assim no primeiro dia do festival na avenida da praia.


Texto de Rui Veiga.

23.7.08

22 de Julho, 6º dia FMM Sines 08.

O dia em que a música e o teatro se encontram ...




Dead Combo

A abrir a noite, os Dead Combo apresentaram, em velocidade de cruzeiro, o seu jogo de guitarras, pradarias e becos de esquina - que se vai tornando familiar, como atesta o numeroso público jovem presente, que trauteia e dança o que de trauteável e dançável há na música dos Dead Combo. O visual wasted rocker ajuda ... e de que maneira! O som dos Dead Combo sofre também uma transmutação ao vivo num sentido mais acelerado e barulhento, que deixa a perder, numa série de temas cujo forte era a simplicidade e contenção – compare-se, por exemplo, as versões em álbum e ao vivo de temas como “Eléctrica Cadente”. Uma actuação competente, na qual mais contenção e lentidão talvez servisse melhor o som do duo.


Iva Bittová

A checa Iva Bittová mostrou no Auditório do Centro de Artes quão pessoal era a sua “muito pessoal música folk”. Sozinha em palco, um simples vestido no corpo e violino ao ombro como únicos adornos de uma corporalidade intensa e sugestiva, Bittová espantou espíritos e convocou fantasmas da tradição musical da Morávia (região da República Checa) para, entre dissonâncias musicais, os alinhar em sons da mais pura vanguarda nova-ioquina. Com um domínio impressionante da técnica vocal, alternava, como num zapping alucinado, ladaínhas tradicionais com onomatopeias vocais (lembrando Meredith Monk), ao mesmo tempo que encarnava feiticeiras, bruxas e outras mulheres-com-o-diabo-no-corpo aos saltos e rodopios em palco, num jogo constante com o posicionamento do som - excelentemente servido pelo equipamento técnico, em especial pelo microfone de captura. Visceral, convulsivo e esquizofrénico, foi original ao ponto de conter extensões à já muito própria linguagem de Iva, baseadas em pequenos gestos que marcavam, geralmente, o final das músicas. Um dos momentos altos deste festival.

Moriarty

O grupo, enorme mescla de nacionalidades e de influências sonoras, conseguiu (apesar de conter referências temporais e musicais muito díspares), construir uma linguagem de uma coerência supreendente, que nos leva, por vezes, até uma América profunda, na qual (ainda) se vivem histórias de amor tão simples quanto os quotidianos que as contêm. Ao ouvirmos a poderosa voz de Rose Mary, quase nem reparamos que a comunicação entre os músicos, perfeita, ajuda a construir um espectáculo cénico exemplar, durante o qual se muda de instrumentos tão depressa quanto de roupa. Os dois momentos mais altos do concerto, "Chocolate Jesus", versão magnífica para o original de Tom Waits e "Whiteman's ballad", música criada após uma viagem de dois elementos da banda por países da África Ocidental (que traduz a história de um continente e das sucessivas pilhagens feitas por gerações de alguns homens brancos) empolgaram o público, pela força das palavras e pelos crescendos instrumentais. Sobretudo do lado de fora da barricada.

Texto de José Bernardo e de José Reis

22.7.08

21 de Julho, 5º dia FMM Sines 08

Gentes ocitanas saídas de velhos baús ...




Danae

Danae foi a um velho baú de recordações buscar discos da ECM. É o que parece quando ouvimos a música que faz actualmente. Depois de ter começado a carreira, de forma informal, pelas repúblicas de Coimbra, decidiu deixar para trás a sua faceta de menina canta-autora e abraçar mundos mais orquestrados e profundos. Alterou radicalmente a forma de actuar, rodeando-se de músicos que a protegem em palco e que dão consistência à sua actuação.

Moscow Art Trio

Há público e público em Sines. Em Porto Covo multiplica-se a juventude em negação e busca de identidade. No Auditório do Centro de Artes, de capacidade limitada, assiste-se a música ao mesmo tempo que se reitera um sentido de distinção: aqui os cabelos são mais curtos e grisalhos, as roupas mais compostas, a língua menos dada a “yas” metralhados rapidamente.O alinhamento dos concertos parece à medida, ao concentrar música mais exigente para o ouvido e imprópria para o meneio da anca, com uma notória excepção.
Moscow Art Trio apresentou um espectáculo de música contemporânea temperado por vozes e sopros tradicionais russos. Misha Alperin, ao piano com o rigor e virtuosismo da escola russa, guiou vários temas com o apoio competente de Arkady Shilkloper na trompa. Do outro lado, o especialista em folclore Sergey Starostin transportava o som para o território étnico cantando como um avó da Geórgia embalando crianças no berço, ou extraindo sons cómicos de instrumentos de sopro tradicionais, estabelecendo um saudável contraponto lúdico no som. Destaque também para o bem trabalhado jogo de vozes a capella entre os três, explorado em vários temas. Concerto sóbrio, sem euforias, para apreciadores de ouvido bem treinado.

Lo Còr de la plana

O Centro de Artes de Sines confirmou a sua capacidade centralizadora das energias do público que nestes dias vai acorrendo a Sines. É à volta do edifício dos arquitectos Aires Mateus que tudo se vai passando. Na segunda-feira, os Lo Còr de la Plana, levaram ao êxtase aqueles que tiveram a sorte de presenciar o concerto, quer dentro do auditório, quer lá fora, através da grande janela e dos muitos televisores com emissão em directo do que se passava no palco. Não houve desculpa para perder este espectáculo.
Os seis franceses vêm da zona de Marselha, dizem-se pertencentes a uma nacionalidade mais vasta – a Occitânia, cultura perdida que se estende desde o Norte de Espanha ao Norte de Itália e cuja língua – o Occitan – nos vai fazendo lembrar ora Catalão, ora Italiano, ora Francês com sotaque beirão. Fazendo apenas uso das vozes e da percussão tirada das palmas, pés e dos tamborins com que se apresentaram ao serviço, os Lo Còr de la Plana inserem-se com alguma dificuldade na categoria de grupo coral, pois ficamos com a sensação de vermos e ouvirmos algo mais. A mistura de referências estilísticas – desde o canto gregoriano ao cântico árabe, desde o uso da onomatopeia às intros com trechos musicais consagrados da cultura urbana – solidifica-se numa musicalidade viril que lembra o canto alentejano pelo uso parco da polifonia em detrimento dos uníssonos, mas com ritmos dançáveis e em constante diálogo contrapontístico. Dentro do auditório, algum pudor cerimonioso impediu os presentes de se levantarem e acompanhar a música com o corpo; lá fora, porém, fazia-se a festa em pé. Às vezes sabe bem não ter bilhete.

Texto de José Bernardo e de José Reis, com a preciosa ajuda de Ricardo Trindade.

20 de Julho, 4º dia FMM Sines 08.

Dança-se ocultamente! Na Índia e no Belize.




Danças Ocultas

Quantas bandas conseguem transformar um concerto de um recinto de grande dimensão, como é o de Porto Covo, num concerto intimista? Algumas ... mas não muitas! As danças Ocultas foram, no quarto dia de festival, uma delas. Deixaram a perfeição total a um pequeno passo. Faltou-lhes uma maior dose de experimentação, necessária para que o que fizeram em palco se transformasse em algo mais afastado das versões originais. Pautado por projeccões que complementaram o espectáculo, o concerto reforçou (ainda mais) a ideia de que o projecto de Águeda alia, melhor que a maior parte dos outros em Portugal, a contemporaneidade e a tradição.

Asha Bhosle

Asha Bhosle era a presença por que a vasta maioria do pública ansiava. A comunidade indiana portuguesa acorreu em massa, pais, filhos, avós, sogras e cão, tudo à espera aos saltos e pinotes pela diva. A banda, com quatros membros nas percussões acústica e electrónica, baixo, guitarra, dois teclistas e um vocalista foi aquecendo longamente o público enquanto esta se aprontava nos bastidores.
Se o público luso, menos familiarizado, aderiu rapidamente ao som espampanante característico de Bollywood, apenas com a aparição de Asha em palco soou um clamor eufórico na multidão. Com um público tão devoto, Bhosle poderia até nem ter cantado, que os aplausos não perderiam entusiasmo. Grandes êxitos da música de filmes indiana foram desfilando escorreitamente, uma sucessão de batidas sintetizadas e teclados bruxuleantes de um kitsch bem próximo das nossas festas de aldeia tão menosprezadas pelo espectador médio de Sines – incomparavelmente mais bem produzidas, no entanto. Asha cantou com uma voz muito digna para a idade e moveu-se em palco com coreografias de uma elegante lentidão, lembrando rituais mais sóbrios e tradicionais dos confins do oriente, num curioso contraste com o som. O sucesso de uma mistura tão desconcertante de sagrado e profano dá muito que pensar sobre o que move o público em expansão rápida da world music.

A Tribute to Andy Palacio feat. Special Guests

Após o carnaval de Asha Bhosle, a debandada geral de uns três quartos do público foi uma injustiça para o espectáculo sólido de tributo a Andy Palacio, o falecido recuperador da música garifuna, mas previsível, pois o registo étnico relativamente límpido estava a oceanos de distância da pompa bollywoodiana. Quem teve estômago para aguentar a transição assistiu a um espectáculo sincero e convincente, guiado essencialmente pela guitarra acústica, por vezes eléctrica, acompanhado pela percussão de tradicionais tambores garifuna. Descrito como punta rock, o som remeteu menos para as urbes ocidentais que para a rica tradição no trinómio “cordas-percussão-voz” da costa ocidental africana. O único senão terá sido a falta de um golpe de ousadia, que teria elevado a actuação do bom ao óptimo.

Texto de José Bernardo e de José Reis

20.7.08

19 de Julho, 3º dia de festival.

A RUC encontra-se com Sines




FES meets Jimi Tenor

Jimi subiu ao palco com um visual que parecia ser um misto de guru indiano e de metro sexual nova-iorquino. A surpresa inicial foi enorme, não só pela indumentária de Jimi, mas também pela força que a banda que o acompanhou demonstrou. O primeiro tema da noite, feito à medida para uma big band de improvisadores, foi uma surpresa agradável para os ouvidos do muito público. Os restantes temas, feitos da mesma miscelânea musical que orienta o projecto, foram coerentes nas influências e instrumentações - excepção feita ao segundo, pensado para uma voz de falsete, nunca antes (por nós) ouvida em Jimi Tenor.
Entre flautas e saxofone, trompetes, percussões e variações de jazz refrescante se fez FES meets Jimi Tenor. Não encantou, não deslumbrou, mas foi um excelente mote para os concertos que viriam a seguir.

The Last Poets

À parafernália instrumental de Jimi Tenor seguiu-se o minimalismo dos Last Poets, destilado originário de ritmo e poesia na origem do hip-hop. Abiodum Oyewole e Umar Bin Hassan, lado a lado na frente do palco a conduzir as operações, apoiados na retaguarda pelo robusto Don Babatunde na percussão, foram ainda secundados pela presença de baixo eléctrico, bateria e teclados.
Para os velhos guerreiros das lutas negras dos anos 60-70, a América não é terra de todos os sonhos, é bem mais terra de todas as trapaças, e se a revolução não está para amanhã, a denúncia continua tão crucial hoje como há 30 anos, mesmo (ou sobretudo) se um espectro de hope e change faz alarido e suscita ânimos na pátria yankee.
Com o avanço do concerto, os complementos instrumentais foram recuando, até restar no final a fórmula originária de percussão e vozes, rhythm and poetry, que elevou o significado desta actuação à plenitude. Então, Umar Bin Hassan metralhou a audiência num requiem possesso de homenagem a Jimi Hendrix, e a par de Oyewle deu o golpe final com “This is Madness”, a dar saudades de 1971, e deixando muito apropriadamente a impressão no ar de que música é mais que embalar o público com tudo o que quer para fugir às agruras da vida.

Enzo Avitabile & Bottari

Enzo Avitable foi o último a subir a palco. Acompanhado pela sua banda, os Bottari, levou a missão de dar um tom festivo ao concerto demasiado a peito, dada a preocupação excessiva em envolver o público no concerto.
A disposição dos músicos em palco, extensão física da divisão musical das duas facções da banda (os percussionistas que tocavam tonéis e barris, orientados por um maestro, de um lado e os saxofonistas e trompetistas de outro), permitiu constatar que a banda, apesar de ter excelentes músicos (que funcionam muito bem em grupos distintos), revela insuficiências de articulação.
Os ritmos do norte de África (o uso dos Saxofones parece ir buscar influências à música feita nos anos 60 e 70 na ex colónia Italiana, a Etiópia), quando acompanhados pela percussão tradicional do sul de Itália, confere à música de Enzo a dimensão festiva necessária para funcionar bem em palcos grandes. Excelente enquanto conceito, ambíguo do ponto de vista musical.

Texto de José Bernardo e José Reis.

18.7.08

Emissão portuguesa de 19 de Julho de 2008

Nesta emissão esteve em grande destaque o primeiro dia do Tom de Festa, festival musical de Tondela, que contou neste dia inicial com os concertos de Teresa Salgueiro na companhia dos Lusitana Ensemble e ainda do projecto local "Cor da Língua", que teve como convidados Janita Salomé e os Chuchurumel. Realizámos entrevistas a Teresa Salgueiro, Janita Salomé, Chuchurumel e José Rui do projecto "Cor da Lingua". Infelizmente, por motivos técnicos, não conseguimos disponibilizar a entrevista com o José Rui. Por esse facto, voltamos a pedir as nossas desculpas a todo o projecto responsável pelo espectáculo "Cor da Lingua".

Alinhamento do programa:

1. Barca dos Castiços – Levanta-te Mineta (-, 2007);
2. Segue-me à Capela – Por Riba se Ceifa o Pão (Segue-me à Capela, 2004);
Entrevista com Teresa Salgueiro (excerto alargado)
3. Teresa Salgueiro – La Serena (La Serena, 2007);
Entrevista com Janita Salomé (excerto alargado)
4. Janita Salomé – Fragmentos (O Vinho das Amantes, 2007);
Entrevista com Chuchurumel (excerto alargado)
5. Chuchurumel – Galanducha (Posta Restante, 2007);
6. Arrefole – Voo do Arado (Veiculo Climatizado, 2006)


P.S. 1: As entrevistas com Teresa Salgueiro, Janita Salomé e Chuchurumel poderão, dentro de alguns dias, ser ouvidas na íntegra aqui no blog;

P.S. 2: Estejam atentos. Vão continuar a surgir por aqui reportagens sobre o Festival de Músicas do Mundo de Sines.

14.7.08

Emissão de 13 de Julho




FMM SINES 2008!

Destaque integral à edição de 2008 do Festival de Músicas do Mundo de Sines, numa hora que se revelou escassa para divulgar quarenta projectos. O Festival Músicas do Mundo de Sines assinala dez anos em 2008 e tem, este ano, o programa mais extenso da sua história. Quatro palcos montados na aldeia de Porto Covo (junto ao Porto de Pesca) e na cidade de Sines (Centro de Artes de Sines - CAS, Avenida Vasco da Gama e Castelo) e ainda mais concertos, com o reforço do programa no Centro de Artes - passando a haver também concertos nocturnos na zona exterior - e a inclusão de um segundo concerto na madrugada de música junto à praia, na Avenida Vasco da Gama.
Durante a última emissão da grelha de inverno, houve ainda tempo para oferecer 3 bilhetes (para os dois primeiros dias de festival). Ao longo da semana, estejam atentos! Podem ainda ganhar bilhetes para os restantes dias!
A equipa do artesanato Sonoro estará, uma vez mais, em Sines para falar com alguns artistas e para vos contar - em directo e através do blog - o que por lá irá acontecer ...

12.7.08

Emissão portuguesa de 12 de Julho de 2008

Com alguns dias de atraso, aqui fica o alinhamento desta emissão:


1. Zeca Afonso – Era um Redondo Vocábulo (Venham Mais Cinco, 1973);
2. Pé Na Terra – Balada do Sino (Pé Na Terra, 2008);
3. Pé Na Terra – Sentir (Pé Na Terra, 2008)
4. Pé Na Terra – Salpicos (Pé Na Terra, 2008);
5. Pé Na Terra – Sete (Pé Na Terra, 2008);
6. Mu & Helena Madeira – Karpa (Casa Nostra, 2008);
7. Mandrágora – Picões do Diabo (Escarpa, 2008);
8. Toques do Caramulo – Dalia Ó Linda Idália (Toques do Caramlo é ao Vivo, 2007);
9. Sérgio Godinho & Tucanas – Vai Lá (Pirilampo, 2008)
10. Tucanas – Tucana (Maria Café, 2008);
11. Gaiteiros de Lisboa – Romance de la Lhoba (Invasões Bárbaras, 1995)



Album em destaque:

Pé Na Terra - Pé Na Terra

Depois dos conterrâneos Mu e Mandrágora, chegou a vez dos também portuenses Pé na Terra lançarem um óptimo album em 2008. Curiosamente, três albuns bem diferentes: enquanto os Mandrágora levam a tradição até ao jazz e ao rock progressivo e os Mu misturam culturas espalhadas um pouco por todo o Mundo, os Pé na Terra são quem mais próximos estão da música tradicional portuguesa, embora com um cunho muito pessoal.

Falemos já um pouco da sequência mais forte deste registo homónimo de estreia: ao 4º tema do disco surge, com "A Balada do Sino", a primeira de duas versões de Zeca Afonso (a outra é "Maria Faia" que, apesar de ser um tema tradicional, foi claramente celebrizada pelo Zeca). Depois de um início extremamente lento e bonito, esta versão da "Balada do Sino" ganha nervo sensivelmente a meio, algo que se vai intensificando até ao seu final, terminando da melhor maneira com um excerto de um inflamado discurso do próprio Zeca Afonso de apelo à insurreição (que falta fazem, no mundo globalizado actual, as suas palavras de ordem, o seu sonho e a sua utopia). Essas palavras dão o mote para aquele que é um dos grandes temas que escutei nos últimos tempos: "Sentir". "Sentir, ser diferente, mudar o som, crescer, explodir, voar, livre sem pensar". São estas as palavras que percorrem de forma hipnótica todo o tema, acompanhadas por uma lindíssima melodia, onde se destaca esse instrumento para mim tão maravilhoso: a gaita-de-foles. Este tema mostra bem a importância dada pelos Pé na Terra às letras, à palavra, a uma certa estrutura poética que se espalha ao longo de todo o disco. Como tal, não é de estranhar que o album feche precisamente com o poema "Sete", declamado por dois convidados dos Pé na Terra: Patrícia Miranda e Tiago Meireles (ele próprio autor do poema).

No entanto, nem só de faixas com voz vive este disco. Quase metade do album é instrumental, contendo temas bastante distintos uns dos outros, como se pode verificar escutando, por exemplo, "Valsa Verde", "Salpicos" e "Passodoble de Vizela". Esta diversidade só demonstra, em definitivo, que este primeiro longa duração dos Pé na Terra é um trabalho bastante eclético, recheado de ideias diferentes.

Enfim, através deste grande disco, a cidade invicta volta novamente a marcar pontos no panorama musical português de 2008.

P.S. Os Pé na Terra venceram a eliminatória nacional do Eurofolk 2008, que se realizou em Coimbra dia 7 de Julho. Como tal, vão representar Portugal na sua edição internacional, a realizar em Málaga no final do mês de Agosto

10.7.08

Emissão de 6 de Julho


Caraíbas!
Destaque para a música de pequenas ilhas/países do continente Americano.
Do Belize aos Barbados, de Guadaloupe à Martinica ... tudo isto, sem esquecer Cuba.

5.7.08

--!> 5 de Julho :: Sahara & Co.

Ali Farka Touré & Toumani Diabaté - Debe
Etran Finatawa - Surbajo
& A Dunya
Tinariwen - Nar Djenetbouba
& Amassakoul'N'Ténéré
& Qualahila Ar TEsninam
Tartit - Tihar Bayatin
Mariem Hassan - Mutamaniyat
Maleem Mahmoud Ghania w/ Pharoah Sanders - La Allah DAyim Moulenah
Gnawa Njoum Experience - Baba Arabi
David Murray & The Gwo-Ka MAsters - Onomatopée (Boula Djèl)


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